Cap O3

Não consegui conter a tensão e fui logo pra cima: –  Qual a sua, Diego? – Me levantei e olhei fixamente em seus olhos. Eles temiam à mim, meus olhos ferviam.
- Calma, Lara. – Ele se contraía.
- Calma? Como você quer que eu tenha calma? Eu nem te conheço e ouço falar de mim no telefone com sabe-se lá quem. – Eu queria voar em seu pescoço.
- Era Fernanda. Fer-nan-da, Lara! Pela primeira vez, liguei a TV e vi um pouco de jornal para ver se falavam de você, tão conhecida Lara Gonne. E então deixaram números de celular se encontrassem você em algum lugar. Fernanda, sua produtora não é?
- É.
- Ela estava louca a sua procura. Disse que você nunca sumiu assim por tanto tempo... Então me senti no dever de avisá-la que estava aqui, comigo. E então ela me ligou agora e eu disse pra deixar você em paz. Não era isso que queria? Disse que diria à você que ela tinha ligado, mas pedi que não ligasse mais. Que se você quisesse, ligaria. – Ele sorriu meio envergonhado – Desculpe, Lara. Sei que odeia que se metam em sua vida! Mas juro que estou tentando ajudá-la de alguma forma.
- Ah Diego... nem sei o que dizer! Você nem me conhece e está querendo me ajudar, e eu, sempre te ferindo de alguma forma. Me perdoe... – Abaixei meus olhos, não sabia aonde enfiá-los. Estava com muita vergonha. – E é por isso que cheguei a conclusão de que vou embora. Hoje mesmo!
- Não! – Ele gritou rapidamente, logo em seguida da minha despedida. Tomei um susto e levantei a cabeça rapidamente. – Não. Por favor, Lara. Insisto que fique! Não acho nada legal você ir embora assim.
- Não, Diego. Não é só por isso que vou embora. É que não é justo... – Parei. Será que eu queria mesmo tocar naquele assunto?
- Não é justo? Não é justo com você, Lara.
- Não é justo com Miguel. – Falei rapidamente e em seguida vieram algumas lembranças em minha mente. Será que foi o melhor ter contado pra ele sobre Miguel?
- Miguel?
- É. Olhe Diego, não era pra eu estar conversando com você sobre isso. Então tente me entender. Obrigada por tudo que fez hoje por mim, mas tenho realmente que ir. – Peguei minha roupa do desfile, rasgada mesmo e me troquei. Quando estava indo embora...
- Lara... Me perdoe, mas não posso deixá-la ir! – Os olhos dele estavam apreensivos, e me davam medo.
- Diego, eu vou embora! – Quando toquei na porta, Diego se jogou em frente.
- Não.
- Sai da minha frente, Diego. – Estava começando a ter medo de verdade.
Acho que ele entendeu a situação e saiu da frente da porta – Perdoe-me! Me ligue quando estiver melhor... – Não respondi e saí andando, chegando na escada a baixo eu comecei a correr. Abri o portão e dei sinal ao primeiro taxi que vi pela frente. Entrei, e dei o meu endereço pra ele.
Enquanto ia no taxi, olhei pro alto, e ele estava na janela. Fechei o vidro e fingi que não tinha visto. O que havia acontecido com Diego? Não consegui compreender nada e preferi ficar na minha. Só queria ir embora dali. Mas não sei se queria voltar pra casa. Mas já era hora de enfrentar meu medo. Ou será que daria pra esperar mais uns dias? Não havia como. Não tinha nem mais dinheiro para me sustentar...
Suspirei. Saí do táxi e encarei de frente aquele muro de mármore do prédio aonde eu e...eu morava. Suspirei novamente. Entrei e fui em direção a escada, queria chegar cansada e não ter direito a olhar pra nada. Só pra cama ou coisa assim. Mas o porteiro, muito gentil, logo que me viu abriu a porta do elevador pra mim. Eu, sem saída, entrei e dei um leve sorriso agradecendo. Chegou. Era o 8º andar. Sim, eu iria subir tudo isso. Não sei como, mas ia. Abri a porta do elevador, e saí. Dei de cara com nosso vizinho encrenqueiro. Era impossível deixar de lembrar dele. Ele adorava esse vizinho. Adorava rir da sua velhice chata, mas no fundo, sempre dava um sorriso de anjo ao final de suas encrenca diária. Eu nunca liguei muito pro pessoal do prédio, pensando bem, acho que sempre fui muito arrogante por causa do trabalho. Não tinha tempo pra mim, e achava que não teria nem pra dizer um "Oi" aos meus vizinhos. – Entrei no meu apartamento e fechei a porta. Tentei não olhar pra nada. Fui direto ao meu quarto e deitei em minha grande e calorosa cama, que por sinal, não era mais calorosa. Estava fria, sentindo falta de corpo quente. Levantei a cabeça e dei de cara com um porta-retrato de...nós dois. Parei no tempo. Não tinha mais como esconder de mim mesma. Eu estava sozinha. E então lágrimas jorraram de meus olhos me fazendo perder o controle. Me fazendo sair pela casa inteira e quebrar todas as fotos que me via junto dele. Me fechei pro mundo. Fiquei em casa por três semanas, sem atender telefonemas ou batidas em minha porta. Diego me ligou umas trinta vezes em um dia, imagine em três semanas. Foi a ponto de eu desligar meu telefone e a mim mesma, pro mundo inteiro.
Alguns diriam "Adeus" a vida, eu só disse um "Ausente" temporário.
Nessas três semanas eu consegui um apoio espiritual. Busquei em livros Cristãos e em uma Bíblia, meia velha que ficava no canto do quartinho de coisas antigas de minha mãe, palavras que me acalmassem. E consegui. Eu consegui também um apoio moral. Uma vizinha tocou em minha porta no quinto dia da terceira semana em que eu estava trancada. Me vi boa o suficiente para atender. Gritei “Espere” e fui ao banheiro, me ajeitar. Molhei o rosto e após enxugar, tomei um susto comigo mesma. Eu estava horrível. Nunca, em vinte anos, me vi daquele jeito. Passei um pó-de-arroz e abri a porta. Eu estava com pijama longo, parecia uma louca que havia fugido de um hospício.
- Oii... Seu nome é Lara né? – Quem era aquela? Será que havia família nova no prédio e eu não sabia? Pra falar a verdade, havia muita coisa que eu não sabia sobre aquele lugar.
- Sim. Sou Lara. E você, mocinha... Quem é? – Era uma linda menina. Tinha olhos azuis ofuscantes e um sorriso largo e branco. Usava um vestidinho colorido e cheio de flores. Devia ter uns 6 aninhos. Era uma linda menina.
- Oi Lara. Meu nome é Doralúcia. Mas por favor, me chame somente de Dora. Não sei o que mamãe tinha em mente quando colocou um nome tão grande e difícil pra uma menina tão pequena como eu. Né? – Ela ria sem parar. Falava corrido, atropelando as palavras uma na outra. Mas era um doce de menina. Estava encantada, como nunca havia ficado antes.
- É... Oi Dora! – Eu sorri. – Quer entrar?
- Não tia, obrigada. Só vim te trazer esses doces, mamãe quem fez. Percebi que você não sai de casa faz tempo. O dia está tão lindo. Porque ficar trancada em casa?? Eu moro aqui há um ano, mas acho que você nunca reparou. – Ela abaixou a cabeça, parecia estar decepcionada. Não só ela, eu também estava. Como não havia reparado nesse anjo?
- Olha pequena, me desculpe. É que eu trabalho muito sabe...
- Eu sei. Você é modelo. A modelo mais linda que já vi na vida. – Ela sorriu. – Eu sempre à vi com aquele moço, lindo também, mas ele também sumiu. Ele tá viajando tia? – Fiquei fria. Não respondi, nem sorri.
- Doralúcia Azevedo!! Entre já. – Surgiu do nada uma moça nova, devia ter uns dezoito anos e ser a irmã dela. – Me perdoe pela minha filha, Lara Goanne. – Filha? Filhaa?? Meu Deus! – Prometo pedir à ela pra não tocar mais nesse assunto. – Ou seja...Ela não havia brigado com a menina por ela falar demais, mas sim, pelo que ela havia dito. Sobre Miguel...
- Tudo bem...Agradeceria se pedisse à ela, mas não brigue com ela. Ela não tem culpa. – Ela ficou espantada. Acho que tenho uma má, má não, uma horrível impressão com meus vizinhos.
- Ah...Sim... – Ela gaguejava um pouco, não compreendia muito bem o que eu falava. Acho que me viam como o E.T. do prédio.
Foi a partir daí que me dei conta do quanto eu deveria ter me ausentado não só do meu prédio, das pessoas que moravam lá e de como era ter vizinhos, mas sim do mundo.

* Cap O4 aqui.